[...] não iriam entender que vezenquando a gente fica triste
sem motivo,
ou pior ainda, sem saber sequer se está mesmo triste. [...]
A réstia de sol encolhe no chão: tempo. Só esse sol sem cor
neste dia sem cor nem jeito de domingo. Idiotice: por que domingo precisa ter
um jeito especial, mania de esperar que as coisas sejam um jeito determinado,
por isso a gente se decepciona e sofre. Na
mesa, os livros oferecem consolo. Vontade de ler um troço decente. Mas é
preciso passar por uma porção de besteiras até chegar ao que interessa. Vontade
de ter um pensamento bem profundo, desses que fazem a gente se surpreender que
tenham saído da nossa cabeça mesmo, naquela modéstia que só se tem quando se
está distraído -desses pensamentos que nas revistas em quadrinhos aparecem em
forma de lâmpada sobre a cabeça do cara. Mas o quê? Sobre a vida, um combate
que aos fracos abate e aos fortes e aos bravos só pode exaltar? Sobre o amor, que é isso que você está vendo hoje beija amanhã não beija depois de amanhã é
domingo e segunda feira ninguém sabe o que será? [...]
Pudesse abrir a cabeça, tirar tudo para fora, arrumar
direitinho como quem arruma uma gaveta. Tomar um banho de chuveiro por dentro.
Caio Fernando Abreu, Domingo, em Inventário do ir-remediável - [1970]
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'E que depois de me ler você consiga tudo aquilo que ainda sonho' Sam Sousa